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Exposição a doenças infecciosas transmitidas por carrapatos: uma abordagem da Ciência Cidadã



A crescente urbanização de áreas florestais acaba por aproximar mais a vida silvestre da sociedade. Esse fator pode acarretar sérios problemas socioambientais devido ao maior contato que esses animais vêm a ter com as pessoas, gerando uma maior exposição a doenças infecciosas, como, por exemplo, o próprio Sars-Cov-2, causador da COVID-19. Em matas conservadas, onde os animais conseguem manter seus habitats e a diversidade biológica é maior, ocorre um efeito de diluição que diminui a propagação de doenças, além de diminuir o contato dos animais com áreas periurbanas. A presença de animais domésticos perto de áreas de mata também contribui para o espalhamento de doenças antes restritas aos animais silvestres. As doenças transmitidas por carrapatos têm grande potencial de transmissão dentro deste contexto, pois muitas delas podem infectar muitos animais, silvestres e domésticos, além de humanos.


Para saber um pouco mais sobre o tema, neste texto revisamos um estudo científico realizado na Itália, onde a crescente urbanização gera um alerta devido à presença de carrapatos que, por sua vez, podem transmitir diversas doenças infecciosas, como a doença de Lyme, muito conhecida na Europa. O Artigo completo pode ser encontrado na referência ao final do texto.

Em decorrência dessa problemática, os autores realizaram um estudo para verificar a ocorrência de carrapatos, e consequentemente a exposição a doenças infecciosas em pessoas que visitam frequentemente ambientes silvestres, sendo comum inclusive a caça com o auxílio de cães. Diferente do que ocorre no Brasil, alguns países da Europa têm a prática de caça regulamentada e legalizada. Diante disso, optou-se por utilizar caçadores voluntários na Itália para efetuar o estudo, pois estes frequentam áreas habitadas por carrapatos e costumam andar com cães, que também são hospedeiros da doença e podem aumentar seu risco. Os caçadores e seus cães, ao adentrarem nas matas, podem ser infestados por carrapatos e assim, através da ciência cidadã(ciência feita por cidadãos não cientistas a fim de ajudar cientistas), atuar no monitoramento da presença dos carrapatos.


O estudo foi realizado em regiões do centro-sul da Itália, em áreas de bosques onde havia javalis selvagens com uma alta prevalência de carrapatos. Participaram do estudo 347 caçadores e 422 cães. Os caçadores foram separados em dois grupos pela utilização ou não de cães de caça. Ao final do dia de caça, os caçadores e seus cães de caça coletavam os carrapatos através de inspeções corporais. Os voluntários foram treinados sobre as técnicas corretas de remoção e preservação dos carrapatos, rotulagem das amostras e anotações de informações pertinentes, como características do ambiente onde foi feita a caçada. Depois de coletados, os carrapatos eram encaminhados aos pesquisadores que os classificavam de acordo com seu sexo (macho ou fêmea), estágio de desenvolvimento (larva, ninfa ou adulto) e de alimentação (se estava ou não alimentado), origem geográfica e presença dos patógenos de interesse (através de técnicas de biologia molecular).


Ao longo do período estudado (oito meses), foram coletados 411 carrapatos adultos, sendo 43,5% machos e 56,5% fêmeas. Cerca de nove em cada dez carrapatos foram encontrados nos cães. Entre os caçadores, apenas um em cada dez portava carrapatos e entre os cães este número subia para quase um em cada dois.


De todos os carrapatos coletados, um em cada dez era portador de algum agente causados de doenças e em Dermacentor marginatus, a espécie mais representativa, cerca de 16% dos indivíduos coletados, tanto em caçadores como nos cães, era portadora de pelo menos uma doença.


Os caçadores que coletavam em áreas de floresta com seus cães foram mais infestados de carrapatos, especialmente em áreas com javalis selvagens, que atuam como reservatório para os carrapatos na natureza.

Foi descoberto também que a área de predominância de carrapatos da espécie Dermacentor marginatus também é a área onde ocorre uma maior frequência de javalis-europeus, que é muito comum em algumas regiões da Europa. Isto, associado ao grande número de carrapatos portadores de doenças e a alta infestação dos caçadores e cães, indica que a saúde humana corre risco e que é necessário o monitoramento nessas áreas.


Os resultados apresentados mostram que a ciência cidadã, através da colaboração entre os caçadores e cientistas, pode ser uma ferramenta importante e de baixo custo para o monitoramento da circulação de carrapatos e doenças infecciosas. Além disso, a presença de carrapatos em caçadores e cães de caça em todas as regiões estudadas indicam um ambiente adequado para o desenvolvimento e circulação dos carrapatos em decorrência das condições climáticas e ambientais ideais. Em particular, as elevadas taxas de infestação em cães e caçadores observadas parecem estar associadas a áreas mais arborizadas, o que confirma o papel do meio ambiente para manter o ciclo de vida dos carrapatos.


Assim, uma perspectiva de saúde única envolvendo médicos, veterinários e outras partes interessadas colaboradoras (por exemplo, caçadores) é defendida pelos autores para controlar e prevenir a propagação de carrapatos e patógenos relacionados.


 

Por Henrique Rubino


Referência


Sgroi, G., Iatta, R., Lia, R. P., Napoli, E., Buono, F., Bezerra-Santos, M. A., Veneziano, V., & Otranto, D. (2021). Tick exposure and risk of tick-borne pathogens infection in hunters and hunting dogs: a citizen science approach Transboundary and Emerging Diseases, 1–8. Disponível em: <https://doi.org/10.1111/tbed.14314>. Acesso em: 22 de out de 2021.


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