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Clima urbano e epidemias de dengue no Brasil

Atualizado: 14 de abr. de 2022




A dengue é atualmente um dos mais sérios problemas de saúde pública mundial e a América Latina tem as condições ambientais ideais para a proliferação do seu vetor - o mosquito Aedes (A. aegypti e A. albopictus), da família Culicidae. Desde a industrialização e o aumento da urbanização da população, as condições de saúde coletiva e de saúde pública têm apresentado situações cada vez mais complexas, especialmente nos países em desenvolvimento. As condições naturais do ambiente físico - especialmente o clima - associadas ao contexto sociocultural e à ineficácia das políticas públicas de saúde promovem o desenvolvimento e proliferação dos focos de mosquitos urbanos, resultando em epidemias graves. Assim, para entender as questões de dispersão e transmissão de dengue, é necessário abordar não somente o comportamento dos indivíduos infectados, mas a correlação entre todas as características geográficas e climáticas presentes no meio. O estudo que apresentamos nesse resumo teve como foco a análise do clima urbano e da proliferação da dengue em três diferentes cidades no Brasil: Campo Grande (MS), Maringá (PR) e Ribeirão Preto (SP), correlacionando as variáveis climáticas e a incidência da dengue por meio da utilização do GIS (Sistema de Informação Geográfica) e outras ferramentas para entender as dinâmicas do clima urbano.

O arbovírus causador da dengue é o mais significativo entre os que afetam humanos e, globalmente, em torno 2,5 bilhões de pessoas vivem em áreas onde esses vírus podem ser transmitidos. Ele pertence ao gênero Flavivirus, da família Flaviviridae, e sua infecção é causada por quatro sorotipos que produzem imunidade específica para sorotipos. A infecção causada por um dos quatro sorotipos torna o indivíduo permanentemente imune ao respectivo sorotipo, mas não confere imunidade cruzada para os demais; isso significa que uma pessoa vivendo em uma região onde os quatro sorotipos encontram-se em circulação pode contrair dengue até quatro vezes em sua vida e também que as epidemias de dengue podem ser influenciadas pelos sorotipos ocorrentes em uma região. O principal vetor da doença no Brasil é o Aedes aegypti, normalmente encontrado em áreas urbanas, enquanto o Aedes albopictus é mais frequente em áreas rurais. A temperatura e a precipitação interferem diretamente no ciclo de vida desses mosquitos, determinando suas taxas de desenvolvimento e reprodução. Além disso, fatores urbanos como a ausência de coleta adequada de lixo, casas abandonadas ou piscinas malconservadas acentuam ainda mais o problema.


As três cidades foco do estudo, tem climas semelhantes, altas taxas de doenças e um histórico de sérias epidemias. Localizam-se na região centro-sul do Brasil e são importantes centros de transporte, onde ocorre um grande fluxo de pessoas e bens, o que nos permite estudar a dimensão da importância de fatores socioeconômicos em relação à transmissão de doenças. Seu índice de desenvolvimento humano (IDH) evoluiu significativamente nos últimos 20 anos, mas ainda assim, epidemias de dengue significativas foram registradas de 2000 a 2011.


No verão, que é um período bastante chuvoso e quando o ambiente urbano é quente as cidades formam ambientes altamente favoráveis ​​à proliferação do vetor da dengue. Entre janeiro e abril os maiores índices de dengue foram registrados nas três cidades, onde a forte influência do clima na formação de epidemias pôde ser observada, além das condições de vida das populações e a dinâmica de urbanização.


Ao analisar a incidência de dengue em escalas de tempo sazonais (estações ao longo dos anos) os autores verificaram que a ocorrência de outros sorotipos gera novas epidemias devido à falta de imunidade na população. O gráfico apresentado na figura 1 mostra 3 picos epidêmicos, o primeiro em 2001 causado pelos sorotipos 1 e 2, , o sorotipo 3 causando um pico em 2006/2007 e após uma brecha de quase 10 anos um novo pico com prevalência tipo 1, resultante da infecção da população que não havia contraído o vírus no começo da década.



Fig. 1 Epidemias e sorotipos na cidade de Campo Grande (CGR-azul), Maringá (MGF-vermelho) Ribeirão Preto (RAO-verde) no período 2000–2011. DEN-1, 2 e 3 indicam sorotipo 1, 2, e 3. Unidade: casos por 100,000 habitantes). Modificado de Roseguini et al. (2019).



Os autores apontam também que, apesar de os picos epidêmicos terem ocorrido em diferentes meses, as três cidades apresentam épocas de chuva similares (dezembro a março), com precipitação máxima em janeiro. Esse fenômeno é observável em todas as cidades analisadas, mas com um atraso de um mês para o pico de epidemia em Campo Grande (fevereiro) e três meses para Maringá e Ribeirão Preto (abril), talvez explicado pelas diferenças entre o início e o fim das estações chuvosas em cada cidade. Os maiores valores de precipitação normalmente coincidem com as maiores epidemias que ocorreram - em Campo Grande e Maringá, a ocorrência de suas maiores epidemias coincidiu com anos de precipitação acumulada de 500/600 mm nos três meses antes das epidemias. Desse modo, previsões climáticas sazonais poderiam ajudar a prever meses de incidência de dengue antecipadamente no sudeste brasileiro.


A figura 2 representa a análise espacial de anomalias nos períodos de estações chuvosas (dezembro a março) durante duas importantes epidemias e um ano de não epidemia nas três cidades estudadas. O Índice de Anomalia de Chuva é calculado a partir de uma série histórica e possibilita a comparação do regime pluviométrico de um local, contribuindo para o monitoramento dos anos de seca e chuva excessiva.


Para saber mais sobre anomalias climáticas você pode consultar no link:  http://www.editora.ufc.br/images/imagens/pdf/geografia-fisica-e-as-mudancas-globais/930.pdf. 

Os períodos a e b apresentaram predominância de anomalia positiva (mais chuva que o normal) e corresponderam aos anos onde ocorreram as maiores epidemias. No período c, houve um déficit de chuva nas três cidades – uma anomalia negativa de precipitação - sendo esse também o período de não epidemia.



Fig. 2 Anomalias de precipitação para a estação chuvosa de dezembro a março, de acordo com dados do TRMM, para as epidemias (a) 2006–2007 e (b) 2009–2010, e (c) a não-epidemia 2003–2004. Modificado de Roseguini et al. (2019).



Os resultados apresentados até aqui revelam que, ao longo dos anos, tanto as condições climáticas quanto a circulação dos sorotipos são importantes fatores para a ocorrência de epidemias.


Em uma escala de tempo mensal, não foram encontradas quaisquer correlações significativas entre anomalias de precipitação e incidência de dengue. A análise mostra que deve haver uma boa taxa de precipitação na região durante o período de dezembro a março para que ocorram epidemias, mas, mesmo assim a epidemia pode não ocorrer. Em Ribeirão Preto, foi observada uma grande epidemia em 2010 após anomalias positivas de precipitação e a re-introdução do sorotipo Den-1. Contudo, a epidemia em 2011 foi menor que em 2010, provavelmente porque a precipitação total excedeu a faixa ideal, especialmente durante março, quando fortes chuvas podem ter lavado os criadouros. Durante o período, nenhuma correlação significativa entre anomalias positivas de temperatura e aumento dos casos de dengue foi encontrada. Quando avaliada a escala de tempo diária percebe-se uma clara relação entre temperatura e casos de dengue. Essa análise demonstra um intervalo de tempo de aproximadamente sete dias entre a mudança de temperatura e a ocorrência da doença. Em Maringá a redução da temperatura na metade de março levou à estabilização do crescente número de casos de dengue na cidade. Logo em seguida, os casos da doença voltaram a aumentar conforme a temperatura subia novamente. Essas descobertas confirmam estudos anteriores, nos quais já havia sido relatada a importância da temperatura no ciclo de vida e na atividade do mosquito em uma escala temporal menor.


Os resultados deste estudo demonstram a importância dos fatores climáticos (precipitação e temperatura) e dos sorotipos na ocorrência de epidemias. Contudo, vale ressaltar que as condições climáticas, assim como o perfil sorotípico, não são os únicos fatores responsáveis ​​pela evolução temporal da dengue. O status de imunidade da população e elementos sociais e ambientais também devem ser considerados. Além disso, políticas públicas locais e a adesão a elas desempenham um papel importante na manifestação da dengue e controle da doença.


O estilo de vida dos habitantes também pode ser considerado uma condição para a manifestação da dengue. Em particular, o descarte de lixo e entulho de construção deixados nos quintais das casas ou piscinas abandonadas podem servir de reservatório para reprodução de mosquitos, situação que foi observada em vários locais dentro das três cidades. Outro fator importante que favorece a circulação de sorotipos e o aumento de casos de dengue é a mobilidade da população (dentro da cidade e entre elas). A maioria das notificações de casos importados nas três cidades vem de pequenas cidades circunvizinhas que usam os serviços de saúde e assistência delas.


Por se tratar de um assunto de natureza complexa, a questão da dengue requer soluções interdisciplinares e o estudo que apresentamos aqui é um exemplo, pois para ser construído exigiu a interação entre profissionais das áreas da saúde, clima e geografia. Equipes multidisciplinares poderiam ajudar os setores de saúde a entender os ciclos epidêmicos e permitir o de sistemas de alerta preventivos e aprimoramento das ações de controle da dengue.


 

Por Nathalia Brunetto



referência


Roseghini, W.; Mendonça, F.; Ceccato, P. 2019. 12. Urban Climate and Dengue Epidemics in Brazil. In: Henríquez, C. Romero, H. (ED.). Urban Climates in Latin America. Springer International Publishing. ISBN: 978-3-319-97012-7.


Revisado pela Professora Doutora Elaine D. G. Soares.

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