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Como desafiamos as Arboviroses ao longo do tempo? Descubra a fascinante história das Vacinas!


O desenvolvimento de vacinas contra arboviroses, doenças causadas por arbovírus transmitidos por artrópodes, como mosquitos do gênero Aedes, é uma área relevante de pesquisa, visto que as arboviroses ainda são consideradas um grande desafio para a saúde pública, tanto no Brasil como no mundo. Alguns exemplos são a dengue, a febre amarela, o vírus Zika e a Chikungunya.


É importante destacar que cada vacina é única e específica para cada doença. Existem processos de desenvolvimento específicos para cada arbovírus. A eficiência dos imunizantes contra arboviroses tem sido variável ao longo do tempo devido às diferenças entre os vírus. Algumas arboviroses, como a febre amarela, mostraram um histórico de sucesso no desenvolvimento de vacinas. No entanto, para os vírus da dengue, zika e chikungunya, o processo tem sido mais desafiador devido a complexidades específicas, como múltiplos sorotipos dos vírus e questões de segurança para aplicação de imunizantes em mulheres grávidas, como acontece com a zika. 


Um exemplo de processo consolidado de desenvolvimento de vacinas é para a febre amarela. Já na década de 1930, houve a descoberta da forma de transmissão da febre amarela, e ao longo dessa década, várias vacinas foram desenvolvidas. O vírus da febre amarela tem uma estrutura relativamente estável, tornando-o um alvo mais acessível para a criação de uma vacina eficaz. Além disso, é uma doença com história de surtos que levaram a campanhas de vacinação em massa em áreas endêmicas. Isso ajudou a controlar a disseminação da doença e a aumentar a eficácia da vacina. A vacinação em larga escala e o controle da propagação dos vírus diminuem as chances de mutações, preservando assim a eficácia da vacina. Mutações frequentes nos vírus podem levar ao desenvolvimento de variantes que escapam da imunidade da vacina. Até hoje, a vacina desenvolvida em 1937, conhecida como 17DD, mostra-se segura, acessível e proporciona imunidade por um período de pelo menos 10 anos com apenas uma dose. 


A vacina da febre amarela é um exemplo de vacina viva ou atenuada, ou seja, que contém os vírus atenuados, enfraquecidos mas que ainda podem estimular uma resposta imunológica forte. No Brasil, a imunização é realizada com uma vacina atenuada chamada VFA, produzida nacionalmente pela Bio-Manguinhos/FIOCRUZ com a mesma tecnologia desde 1937. Esta vacina é segura, certificada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e é a mais eficaz para prevenir e controlar a doença.


Com o aumento de casos de febre amarela no ano 2017 nas cidades brasileiras, o Programa Nacional de Imunizações (PNI) passou a indicar a dose única da vacina contra a febre amarela para toda a população dos municípios onde a doença havia sido registrada. A adoção de dose única atende as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS). Hoje a imunização no Brasil é obrigatória apenas em cidades com maior incidência da doença. No entanto, a vacina antiamarílica faz parte do calendário nacional de vacinação e se torna obrigatória durante surtos ou quando há novos casos. A rápida imunização desempenha um papel crucial na contenção de surtos.


Vacinas contra outras arboviroses como a dengue, zika e a chikungunya possuem um caminho de desenvolvimento mais longo e/ou tortuoso. Só o vírus da dengue apresenta quatro sorotipos, conhecidos como DENV1, DENV2, DENV3 e DENV4. Assim, as pessoas podem adquirir a doença até quatro vezes, com risco crescente de gravidade. O número de sorotipos torna mais complexo o desenvolvimento de uma vacina eficaz.


O desenvolvimento de vacinas envolve várias etapas rigorosas para garantir sua segurança e eficácia. Primeiro, são realizados testes pré-clínicos em laboratórios e animais. Em seguida, a vacina passa por três fases de testes em voluntários humanos, aumentando gradualmente o número de participantes para avaliar sua eficácia. Na Fase 1, a vacina é testada em um pequeno grupo (20-100 pessoas), e são avaliadas segurança e dosagem. A Fase 2 expande a testagem a um número maior de pessoas (70-200) para garantir uma maior diversidade genética, visto que tratamentos podem ter eficácia e segurança variadas em distintas pessoas. Finalmente, a Fase 3 envolve um grande grupo de pessoas (300-3000) para confirmar segurança e eficácia em condições reais. Após essas fases, agências reguladoras, como a FDA (Food and Drug Administration, ou Administração de Alimentos e Medicamentos, em português) nos Estados Unidos, a EMA (European Medicines Agency, ou Agência Europeia de Medicamentos) na Europa, e ANVISA no Brasil, revisam minuciosamente os dados dos ensaios clínicos antes de aprovar a vacina. Uma vez aprovada, a vacina é produzida em larga escala e distribuída à população. 


Para a Dengue, existem quatro principais candidatas a vacinas: CYD-TDV (Dengvaxia), TAK-003, TV003/TV005 e Qdenga, todas vacinas atenuadas. Dessas, uma é desenvolvida por instituições de pesquisa brasileiras, como o Butantan com colaboração da MERCK e NIAID fora do Brasil, enquanto as outras estão sendo desenvolvidas por instituições estrangeiras. Algumas estão em fase de testes e outras já estão em uso. Entre elas, apenas três são tetravalentes, o que significa que abrangem os quatro sorotipos do vírus: a Dengvaxia, a Qdenga e a TAK-003.


Apenas duas das vacinas, Dengvaxia e Qdenga foram aprovadas para uso pela ANVISA no Brasil. Dengvaxia, desenvolvida pela empresa francesa Sanofi Pasteur, recebeu aprovação e licenciamento em 2015 em alguns países endêmicos de dengue, embora ensaios de Fase 3 tenham revelado variações na eficácia relacionadas à idade das pessoas imunizadas. Por outro lado, Qdenga, desenvolvida pela Takeda, a maior empresa farmacêutica do Japão, é a primeira vacina aprovada para uso no Brasil em uma faixa etária mais ampla, abrangendo pessoas com idades entre 4 e 60 anos. Além disso, ela foi avaliada pela EMA e oferece uma proteção eficaz contra a dengue. Uma distinção importante entre elas é que Dengvaxia é recomendada para pessoas que já tiveram dengue, enquanto Qdenga é destinada àqueles que nunca tiveram a doença. As outras duas vacinas ainda não estão disponíveis para uso, pois se encontram na Fase 3 de testes.

Já a zika, arbovirose causada pelo vírus Zika (ZIKV), isolado pela primeira vez na África em 1947 e detectado pela primeira vez em humanos em 1952, o qual poderá encontrar maiores informações em nosso post, é classificada como uma das doenças tropicais negligenciadas pela OMS e, mesmo assim,  ainda carece de vacinas licenciadas para sua prevenção. Apesar da redução global de casos após 2017, é importante relembrar o surto ocorrido em 2015-2016 no Brasil, que elevou o número de mortes precoces no país, associadas a distúrbios neurológicos graves em infantes.


Contra a zika há atualmente diversas vacinas candidatas. Entre elas, encontram-se:


  1. Vacinas de DNA (feitas a partir de um trecho do material genético do agente infeccioso montado em um tipo de DNA circular chamado de plasmídeo, que então será integrado ao hospedeiro).

  2. Vacinas de vetores virais (que utilizam o DNA modificado do vetor para carregar uma “mensagem” até dentro de nossas células sem causar patogenicidade).

  3. Vacinas de vírus atenuado (contém o microrganismo vivo, porém é enfraquecido e não tem a capacidade de causar a doença, apenas de se multiplicar).

  4. Vacinas de vírus inativos (na qual utiliza-se o microrganismo morto, e que portanto também não causam doença e nem são capazes de se multiplicar).


Algumas delas foram  testadas em animais modelo e passaram por ensaios clínicos de fase  1 em pequena escala. Entre elas algumas progrediram concluindo os ensaios clínicos de Fase 1 ou Fase 2 e produzindo resultados encorajadores, demonstrando segurança, eficácia e tolerância em voluntários adultos saudáveis. Mesmo assim, para dar continuidade ao desenvolvimento e aprimoramento dessas vacinas, é necessário o início de ensaios de Fase 3.


No caso da Chikungunya (CHIKV), os esforços para desenvolver uma vacina tiveram início na década de 1960. Porém, até o ano passado não havia método específico de imunização aprovado para combatê-la. No entanto, em 2023 uma vacina de vírus atenuado de dose única contra a chikungunya, desenvolvida graças à colaboração entre o Instituto Butantan e a Valneva, empresa de biotecnologia franco-austríaca, foi aprovada pela FDA, para ser aplicada apenas em maiores de 18 anos. É o primeiro imunizante autorizado no mundo contra a doença. A avaliação da FDA levou em conta dados do ensaio clínico de Fase 3 realizado nos EUA e publicados em junho pela revista The Lancet, mostrando a segurança e eficácia da vacina na indução de uma resposta imunológica em participantes da pesquisa. A previsão é que o Butantan solicite aprovação da Anvisa no primeiro semestre de 2024, que também conduz um estudo de Fase 3 no Brasil, desta vez em adolescentes. Os resultados podem ampliar a indicação da vacina para essa faixa etária.


Cabe destacar que as arboviroses afetam principalmente regiões ou países no mundo com maior desigualdade social. Muitas delas inclusive, são consideradas doenças negligenciadas, ou seja, causam surtos e implicam em desafios de saúde pública que são restritos a certas regiões, implicando inclusive em menos investimentos e pesquisas para o desenvolvimento de vacinas ou tratamentos diversos. Nesse sentido, é crucial destacar o papel de instituições públicas, como a FIOCRUZ e o BUTANTAN no desenvolvimento de tecnologias, entre elas as vacinas produzidas e testadas nacionalmente, que buscam respostas específicas para problemas de saúde do nosso país.


 

Por Diana Molinas, Ingrid Camargo, Mayra Alejandra e Ana Alice Eleuterio


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