top of page

A resistência do _Aedes aegypti_ a inseticidas

  • ecologiasaudeunila
  • 7 de ago.
  • 6 min de leitura

Atualizado: 18 de ago.

Aedes aegypti é a principal espécie responsável pela transmissão de arboviroses no mundo, incluindo dengue, Chikungunya, Zika e febre amarela. O mosquito é comum em áreas urbanas, onde a alta densidade populacional e a presença de locais adequados para a oviposição favorecem sua reprodução. Os hábitos das fêmeas do mosquito, que se alimentam de sangue humano para maturar seus ovos, são cruciais para a transmissão do vírus. Ao picar uma pessoa infectada, o mosquito adquire o vírus e, após alguns dias, é capaz de transmiti-lo, elevando o risco de surtos das doenças mencionadas.


Uma ferramenta para o controle de populações de insetos é a aplicação de inseticidas, que são uma estratégia de controle químico tanto na agricultura quanto no ambiente doméstico. O controle eficaz de populações de mosquitos é crucial para a saúde pública. A aplicação de inseticidas contribui para a redução do número de mosquitos presentes em áreas urbanas e rurais e, por consequência, para a diminuição das taxas de infecção das doenças por eles transmitidas. 


Durante surtos, o uso de inseticidas pode ser decisivo para conter a propagação dos vírus transmitidos pelo Aedes, permitindo intervenções rápidas que protegem a saúde da população. Porém, o uso dos inseticidas foi se tornando polêmico devido ao impacto ambiental e efeitos nocivos à saúde causados pelos mesmos. Concomitantemente, nas últimas décadas, populações de insetos têm gradualmente desenvolvido resistência aos efeitos de diversos tipos de inseticidas. Para entender isso, vamos traçar uma trajetória do uso dos inseticidas e suas consequências positivas e negativas.


A evolução da resistência a inseticidas 


Diversas tentativas de sintetizar compostos com efeitos inseticidas comprovados, e em larga escala, foram realizadas ao longo do século XIX. O primeiro inseticida orgânico sintetizado que possuía simultaneamente alta eficácia e podia ser produzido em larga escala foi o DDT (diclorodifeniltricloroetano). Esse inseticida surgiu como uma forma efetiva de controlar a transmissão da malária durante a Segunda Guerra Mundial. A partir de 1946, com o fim da guerra, o DDT começou a ser utilizado também na agricultura para manejo de insetos-praga. Porém, o uso descontrolado do DDT começou a representar um grave problema de saúde pública por causar intoxicações agudas e contaminação crônica do meio ambiente. Em resposta, a partir dos anos 70, o uso agrícola foi interrompido e proíbido em vários países. 


No Brasil, as primeiras restrições surgiram em 1971, e o uso do DDT na agricultura foi totalmente proibido em 1985. No entanto, sua aplicação em campanhas de saúde pública contra vetores como o Aedes aegypti continuou até 1997. O banimento completo e definitivo de toda a produção, importação, comercialização e uso do DDT no país foi estabelecido por lei em 1998.


A restrição do uso do DDT, tanto no Brasil quanto no resto do mundo, foi um reflexo direto das preocupações com sua toxicidade e com o aumento da resistência de mosquitos, efeito causado pelo uso massivo dos inseticidas e a falta de estratégias para combinar o controle químico com outros métodos de controle. A resistência aos inseticidas se refere à capacidade de populações de insetos de sobreviver à exposição a substâncias que antes lhes eram letais. Populações de insetos se tornam resistentes a inseticidas pela seleção de indivíduos resistentes que, ao sobreviver, reproduzem-se, transmitindo genes que conferem essa habilidade à próxima geração.


Estudos revelam que os mosquitos mostram resistência às quatro classes de inseticidas usados atualmente (carbamatos, organoclorados, organofosforados e piretróides), representando uma ameaça global à saúde pública. Um resumo de cada classe de inseticidas, seu mecanismo de ação e problemas associados pode ser conferido na imagem abaixo:


Figura 1 - Definição, mecanismos de ação e problemas associados das principais classes de inseticidas.              Adaptado de Braga e Valle, 2007.
Figura 1 - Definição, mecanismos de ação e problemas associados das principais classes de inseticidas. Adaptado de Braga e Valle, 2007.

Aqui no Ecologia e Saúde já fizemos posts abordando os diversos métodos de resistência, que pode ser conferido clicando no link abaixo: 



Investigação da  resistência aos inseticidas em populações de A. aegypti na Argentina

(Por Gonzales et al., 2024)


Desde 1997, as regiões nordeste e noroeste da Argentina sofrem com múltiplos surtos de dengue devido ao aumento das populações de Aedes. Em resposta a isso, o Ministério da Saúde argentino intensificou o uso de inseticidas no contexto de controle de arboviroses. Para o controle das populações de mosquitos no estágio larval, intensificou-se o uso dos inseticidas organofosforados, enquanto que para o controle das populações de mosquitos adultos foram utilizados inseticidas piretróides. O monitoramento dos efeitos desses inseticidas mostrou que a mortalidade dos mosquitos Aedes expostos aos piretróides começou a cair a partir de 2013, mostrando um aumento de populações resistentes a essa classe de inseticida. 


Os piretróides agem “nocauteando” os mosquitos. Esse grupo de inseticidas causa aos mosquitos uma paralisia quase imediata, devido à ação dos chamados “canais de sódio”. Os canais de sódio são, basicamente, túneis biológicos onde minúsculas partículas podem ou não passar, abrindo e fechando e são essenciais para a sobrevivência do organismo. Se o túnel ficar continuamente aberto, resultado da ação do piretróide, então ocorrerá um descontrole na passagem de partículas e, assim, o organismo ficará “sobrecarregado”. 


Quando ocorre uma mutação (ou seja, uma mudança na informação genética) que altera esses canais de sódio, os piretróides têm efeito reduzido, uma vez que possuem afinidade apenas com a estrutura molecular sem mutação dos canais. Os genes associados a essa mutação são chamados de kdr (KnockDown Resistance, em português, resistência ao nocaute). Diversas mutações de kdr já foram documentadas, mas só três resultam em resistência, por parte dos mosquitos, aos piretróides. O artigo, então, parte do pressuposto de que mosquitos com mutações kdr estão se espalhando pela Argentina e reduzindo a eficácia do controle químico baseado  em piretróides.


Para avaliar essa hipótese, pesquisadores da Argentina coletaram ovos de A. aegypti utilizando ovitrampas em quatro cidades, Puerto Iguazú, Clorinda, Tartagal e Orán. Posteriormente, os ovos foram levados ao laboratório, onde foram mantidos em condições adequadas para desenvolvimento dos mosquitos até a fase adulta, na qual o inseticida piretróide poderia ser testado. 


Os mosquitos adultos foram então expostos a permetrina, um inseticida piretróide, para analisar a mortalidade através da dose discriminatória. A dose discriminatória é a quantidade mínima para matar 99% ou mais de uma população de insetos, ou seja, é a dose que seria considerada letal e efetiva para o controle daquela população. Para mosquitos não-resistentes aos piretróides, a dose discriminatória de permetrina é a concentração de 0,4%. Mesmo testando doses 5 e 10 vezes maiores que a dose discriminatória, os testes mostraram que não foi possível chegar aos 99% de mortalidade. Isso significa que, na prática, as populações de A. aegypti dessas cidades não são suscetíveis à permetrina e o controle químico com esse inseticida é inefetivo para acabar com essas populações.


Porém, ainda restava saber se essa resistência tinha ligação com as mutações kdr. Para investigar isso, os pesquisadores extraíram o DNA dos mosquitos selecionados e procuraram as variações nos genes que formam os canais de sódio nos mosquitos. Ao fazerem essa análise, perceberam as mesmas variações genéticas que resultam nas mutações kdr, concluindo que as populações das quatro cidades testadas, agora comprovadamente são resistentes ao inseticida testado.


Em entrevista à National Geographic Brasil, uma das pesquisadoras envolvidas no estudo, Laura Harburguer, afirmou: “Se o controle desses insetos for baseado apenas em um tipo de inseticida, sua aplicação repetida gerará resistência e, em alguns anos, se não fizermos um gerenciamento integrado, estaremos na mesma situação novamente.” Essa declaração enfatiza a necessidade de um manejo integrado de pragas, combinando diferentes tipos de métodos químicos e não químicos, além do envolvimento da comunidade na luta contra o mosquito.


A resistência do Aedes aegypti aos inseticidas traz sérias consequências para os programas de controle. A eficácia reduzida em eliminar a população de mosquitos resulta em um aumento da incidência de doenças transmitidas por esses vetores. Isso representa um desafio significativo para a saúde pública e demanda a implementação de novas estratégias de controle. A combinação de novas pesquisas, alternativas de controle e a participação ativa da comunidade são essenciais para garantir que as estratégias de combate a esse vetor sejam bem-sucedidas. É fundamental que continuemos a explorar soluções inovadoras e sustentáveis para proteger a saúde pública e reduzir a incidência de doenças transmitidas por mosquitos. 


__________________________________________________________________________________


Por Samuel dos Santos Ribeiro e Júlia Nayara da Silva Romualdo


REFERÊNCIAS

BRAGA, Ima Aparecida; VALLE, Denise. Aedes aegypti: inseticidas, mecanismos de ação e resistência. Epidemiol. Serv. Saúde,  Brasília ,  v. 16, n. 4, p. 179-293,  dez.  2007 .   Disponível em http://scielo.iec.gov.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-49742007000400006&lng=pt&nrm=iso. Acesso em  29  jul.  2025. 


GONZALEZ, P. V.; LOUREIRO, A. C.; GÓMEZ-BRAVO, A. et al. First detection of V410L kdr mutation in Aedes aegypti populations of Argentina supported by toxicological evidence. Parasites & Vectors, v. 17, e331, 2024. Disponível em: https://doi.org/10.1186/s13071-024-06405-3. Acesso em: 6 ago. 2025.


NATIONAL GEOGRAPHIC BRASIL. Mosquitos transmissores da dengue estão se tornando mais resistentes aos inseticidas, diz estudo. Publicado em 22 out. 2024. Disponível em: https://www.nationalgeographicbrasil.com/ciencia/2024/10/mosquitos-transmissores-da-dengue-estao-se-tornando-mais-resistentes-aos-inseticidas-diz-estudo. Acesso em: 21 jul. 2025.

 
 
  • Instagram
  • YouTube
PARA DÚVIDAS OU SUGESTÕES, ENTRE EM CONTATO CONOSCO!
Preto.png
Araucaria logo nova 2023 mono preta.png
bottom of page