O Futuro das Vacinas no Combate à Dengue
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Transmitido pelos mosquitos Aedes aegypti e Aedes albopictus, o vírus da dengue (DENV) continua representando um grande desafio para a saúde pública, sendo uma das doenças tropicais mais preocupantes devido à sua ampla disseminação, afetando mais de 100 países ao redor do mundo. Anualmente, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), entre 100 e 400 milhões de pessoas ficam doentes com dengue. O Brasil está entre os países mais impactados, com um número alto de casos registrados todos os anos. Segundo o Ministério da Saúde, até outubro de 2025, o Brasil já registrou mais de 1,5 milhão de casos suspeitos de dengue.
A disseminação da dengue está relacionada a vários fatores. O aumento da temperatura do planeta, provocado pelas mudanças climáticas, o deslocamento de pessoas e o crescimento desordenado das cidades são alguns deles. As condições socioeconômicas também desempenham um papel crucial nesse cenário. Comunidades mais pobres frequentemente vivem em áreas com infraestrutura inadequada, onde o acesso a serviços básicos de saúde e saneamento é limitado, favorecendo a proliferação do mosquito transmissor da doença. Isso aumenta a vulnerabilidade dessas populações à infecção por dengue e outras doenças como a Zika e a Chikungunya.
Hoje, as estratégias de controle de vetores, como o uso de inseticidas e a eliminação de criadouros, não são suficientes para evitar a infecção em humanos. Com o aumento contínuo dos casos de dengue, impulsionado pelos fatores ambientais e socioeconômicos, até mesmo em regiões antes consideradas de baixo risco, como Austrália, América do Norte e Europa, a urgência para desenvolver uma vacina eficaz se torna cada vez maior.
Um dos principais obstáculos para o desenvolvimento de uma vacina eficaz contra a dengue está no fato do vírus da dengue existir em quatro versões diferentes, chamadas sorotipos (DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4). Quando uma pessoa se infecta com um desses sorotipos, ela adquire imunidade permanente apenas contra ele. Caso a pessoa seja infectada por outro sorotipo, o risco de desenvolver a forma grave da doença aumenta. Portanto, para que uma vacina funcione bem, ela precisa proteger contra os quatro sorotipos ao mesmo tempo. Esse é um desafio que os cientistas têm tentado superar há décadas. Este texto traz uma atualização sobre o estado atual do desenvolvimento de vacinas contra a dengue.

Até o momento, duas vacinas vivas atenuadas contra a dengue receberam licença para uso em alguns países endêmicos, como o Brasil, a Dengvaxia® e a Qdenga®. Vacinas atenuadas são aquelas feitas a partir de vírus que foram enfraquecidos, mas ainda permanecem vivos. Isso permite que elas ajudem o corpo a desenvolver uma defesa semelhante àquela que ocorre após uma infecção natural.
Em 2015, a vacina tetravalente viva atenuada CYD-TDV, conhecida comercialmente como Dengvaxia®, desenvolvida pela empresa francesa Sanofi Pasteur, foi a primeira vacina contra a dengue autorizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) para uso em pessoas com idades entre nove e 45 anos de idade. Ela é recomendada apenas para pessoas que já tiveram dengue. O seu desenvolvimento representou um avanço significativo no combate à doença. Segundo o Ministério da Saúde, a vacina mostrou eficácia de 65,6% contra os quatro sorotipos da dengue em pessoas acima de nove anos de idade. Além disso, teve uma eficácia de 80,8% contra a forma grave da doença. Em fevereiro de 2025, a Sanofi Pasteur anunciou que a Dengvaxia® seria descontinuada devido à baixa demanda no mercado local, e não por problemas de qualidade, segurança ou eficácia da vacina.
Em 2023, a vacina viva atenuada Qdenga®, desenvolvida pelo laboratório japonês Takeda Pharma, foi aprovada pela ANVISA para uso no Brasil. Em 2024, a Qdenga® foi incorporada ao SUS, tornando o Brasil o primeiro país do mundo a disponibilizar vacinas contra a dengue no sistema público de saúde. Diferente da Dengvaxia®, a Qdenga® pode ser administrada em pessoas que já tiveram dengue e em quem nunca foi infectado pelo vírus. A eficácia da Qdenga® foi comprovada em um estudo no Brasil por pesquisadores da Fiocruz e da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e publicado na revista The Lancet Infectious Diseases. O estudo analisou mais de 92 mil testes em jovens na faixa etária de 10 a 14 anos no estado de São Paulo. Os resultados mostraram que uma única dose oferece 50% de proteção contra casos sintomáticos e 67,5% contra hospitalizações. Com a aplicação da segunda dose, a proteção contra sintomas aumentou para 61,7%. Esses resultados são significativos, pois vão além dos estudos anteriores, indicando que a Qdenga® pode salvar vidas e aliviar a pressão sobre os hospitais durante epidemias.
Atualmente, o Instituto Butantan está desenvolvendo uma vacina nacional contra a dengue, a vacina tetravalente Butantan-DV. Este projeto começou em 2010, com o apoio da FAPESP, e usa uma formulação criada por pesquisadores do National Institutes of Health (NIH) dos Estados Unidos. A Butantan-DV é uma vacina viva atenuada, ou seja, utiliza uma versão modificada do vírus da dengue que é incapaz de causar a doença, mas que ainda estimula uma resposta imunológica eficaz. O objetivo é proteger contra os quatro sorotipos do vírus da dengue e poderá ser administrada em uma única dose. A vacina já está na fase 3 dos testes clínicos e mostrou uma eficácia geral de 79,6%. Para aqueles que já tiveram dengue, a eficácia é de 89,2%, enquanto para os indivíduos que nunca foram expostos ao vírus, a eficácia é de 73,5%. A expectativa é que a Butantan-DV receba aprovação ainda em 2025. No entanto, a vacina precisa passar pela aprovação da ANVISA e pela validação da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED). Além disso, para que a vacina seja incluída no Programa Nacional de Imunizações (PNI), sua documentação deve ser aceita pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (CONITEC). Portanto, ainda há um caminho a ser trilhado até que a vacina esteja disponível para a população.

Vacinas inativadas possuem em sua composição vírus ou bactérias que foram mortos ou inativados, de modo que não podem causar infecções. Quando uma pessoa toma esse tipo de vacina, o corpo reconhece os componentes e cria uma resposta imune específica. Isso ajuda o corpo a lembrar e reagir de maneira mais eficiente se encontrar o vírus ou a bactéria novamente. No entanto, essas vacinas podem não estimular uma defesa tão eficaz quanto às vacinas vivas atenuadas. Um exemplo é a vacina TDENV-PIV, que está sendo desenvolvida pela companhia biofarmacêutica GlaxoSmithKline (GSK) e pelo Instituto de Pesquisa do Exército Walter Reed (WRAIR), uma instalação biomédica administrada pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos. Essa vacina contém os quatro tipos do vírus da dengue, que foram tratados com formalina, substância que mata o vírus, mas mantém as características necessárias para que o corpo do indivíduo reconheça e crie defesas contra ele. Atualmente, os pesquisadores estão testando, em ensaios clínicos de fase 2, novas combinações de adjuvantes à composição da vacina. Esses adjuvantes funcionam como impulsores que tornam as vacinas mais eficazes.
A vacina de DNA é uma alternativa de imunizante que utiliza material genético para estimular o sistema imunológico do próprio indivíduo. Nesse tipo de vacina, são inseridos pequenos fragmentos de DNA que contêm as instruções necessárias para que as células humanas produzam proteínas do vírus, ou seja, o DNA é introduzido no organismo e atua como um molde, levando as células a fabricar temporariamente essas proteínas virais. No caso da dengue, destacam-se as proteínas E e prM, que estão envolvidas na ligação do vírus às células do corpo. Ao reconhecer essas proteínas como “estranhas”, o sistema imunológico passa a produzir anticorpos e células de defesa capazes de bloquear futuras infecções pelo vírus da dengue. Um exemplo é a vacina D1ME100, também conhecida como TVDV ou Vaxfectin®, que está em fase de testes clínicos. Apesar de ainda apresentar limitações quanto à intensidade da resposta imunológica, esse tipo de vacina tem vantagens como segurança, facilidade de produção e baixo custo, o que a torna uma opção promissora no combate à dengue.
A técnica de DNA recombinante consiste em isolar genes de interesse de um organismo e inseri-los em outro, geralmente uma bactéria, levedura ou célula de mamífero, que passa a produzir proteínas específicas a partir dessas instruções genéticas. Essa tecnologia revolucionou a biotecnologia moderna e está na base da produção de vacinas recombinantes, pois permite fabricar, em laboratório, proteínas idênticas às do vírus, mas sem utilizar o vírus inteiro. Nas vacinas de subunidade recombinante, essas proteínas virais produzidas pelo organismo hospedeiro (transgênico) são purificadas e usadas como antígenos, ou seja, como partes do vírus capazes de estimular o sistema imunológico sem causar infecção. No caso da dengue, um exemplo promissor é a vacina V180, que utiliza a proteína E do vírus combinada a um adjuvante chamado ISCOMATRIX, o qual potencializa a resposta imunológica. Estudos clínicos mostraram que a vacina foi segura, bem tolerada e capaz de induzir anticorpos protetores contra os quatro sorotipos do vírus da dengue, o que reforça seu potencial como ferramenta importante no combate à doença.
O RNA, que significa ácido ribonucleico, é uma molécula importante que ajuda na produção de proteínas em nosso corpo, usando as informações que vêm do DNA, o material genético. Pense no RNA mensageiro (mRNA) como um mensageiro que leva as instruções do DNA, que está guardado no núcleo da célula, até uma parte chamada ribossomo. O ribossomo funciona como uma “fábrica” que monta as proteínas. Então, o RNA mensageiro carrega as informações necessárias para que o ribossomo saiba como criar as proteínas que nosso corpo precisa. Essas proteínas desempenham várias funções essenciais, como construir células, realizar reações químicas e ajudar na defesa do organismo. Quem recebe a vacina de RNA mensageiro (mRNA) não entra em contato com o vírus ou a bactéria que causa a doença, mas sim com uma cópia do RNA que ensina as células do corpo a produzirem uma parte dessa proteína. Essas vacinas são feitas a partir de um mRNA sintético que representa uma proteína específica do agente infeccioso. Assim, o organismo aprende a reconhecer essa proteína como estranha e começa a criar uma defesa contra a infecção. Essa tecnologia tem sido utilizada para desenvolver vacinas contra várias doenças virais, incluindo a dengue.
Em 2021, Wollner e sua equipe criaram uma vacina contra a dengue chamada complexo mRNA-LNP. Eles utilizaram partes específicas do sorotipo DENV-1 da dengue e as transformaram em uma vacina de mRNA. Para melhorar a vacina, adicionaram um componente chamado pseudouridina e embalaram o mRNA em pequenas bolhas de gordura, conhecidas como nanopartículas lipídicas (LNP). Esse complexo mRNA-LNP foi testado em camundongos, e os resultados mostraram que gerou uma boa resposta imunológica específica para o sorotipo DENV-1. Em 2022, outro grupo de pesquisadores, Mukhtar e sua equipe, desenvolveram uma outra vacina de mRNA, também revestida com LNP. A diferença é que nessa vacina contém informações genéticas que codificam partes específicas dos quatro sorotipos da dengue. Os testes mostraram que ela conseguiu gerar uma boa resposta, produzindo altos níveis de anticorpos que podem neutralizar os vírus e impedir infecções por DENV-1 a DENV-4, sem causar efeitos adversos significativos.
Vacinas baseadas em peptídeos, também conhecidas como vacinas de epítopos, são um tipo de vacina que utiliza pequenas cadeias de aminoácidos, chamadas peptídeos. Esses peptídeos imitam partes específicas de um vírus ou bactéria. Da mesma forma que vimos com as demais tecnologias de vacina, o corpo reconhece esses peptídeos como uma ameaça e o sistema imunológico reage. Essas vacinas costumam ser mais baratas e podem ser produzidas mais rapidamente. No entanto, essas vacinas podem não estimular o sistema imunológico tão bem quanto outros tipos de vacinas.
Um exemplo de vacina baseada em peptídeos é a PepGNP-Dengue. Essa vacina foi desenvolvida com peptídeo sintético multivalente e nanopartículas de ouro. Ela foi testada em um estudo clínico inicial de fase 1 com participantes saudáveis, com idades entre 18 e 45 anos, que nunca tinham sido expostos ao vírus da dengue. Os participantes foram divididos aleatoriamente para receber doses baixas ou altas da vacina ou um placebo veículo-GNP, que é uma solução sem peptídeos da vacina, com intervalo de 21 dias entre as doses. Foram relatados efeitos colaterais leves, como dores no local da injeção e uma leve descoloração na pele onde foram administradas as injeções. Os resultados mostraram que a vacina PepGNP-Dengue não provocou a produção de anticorpos contra o vírus da dengue, como os pesquisadores esperavam. Em um grupo de participantes que recebeu a dose baixa da vacina, os cientistas notaram um aumento significativo nas células TCD8+. Essas células são fundamentais para a defesa do corpo, pois ajudam a eliminar células infectadas e combater infecções. Entretanto, no grupo que recebeu a dose alta da vacina, esse aumento nas células TCD8+ não foi observado. Os pesquisadores levantaram a hipótese de que a resposta imunológica foi mais fraca no grupo que recebeu a dose alta porque a vacina pode ter permanecido retida por mais tempo no local da aplicação. Isso pode ter interferido na capacidade do corpo de produzir anticorpos contra o vírus da dengue.
A dengue é uma doença que afeta milhões de pessoas em todo o mundo. O desenvolvimento de vacinas representa um avanço significativo na proteção da população, especialmente dos grupos mais vulneráveis. As vacinas não apenas oferecem defesa direta contra o vírus, mas também incentivam inovações em biotecnologia e pesquisa vacinal. Esse progresso pode servir de modelo para o desenvolvimento de vacinas para outras doenças transmitidas pelo Aedes, como a Zika e a Chikungunya.
No entanto, combater a dengue vai além de desenvolver vacinas. Embora vacinas como a Qdenga® e, em breve, a Butantan-DV representem avanços significativos, ainda enfrentamos muitos desafios devido à complexidade do vírus e às limitações das respostas imunológicas humanas. Portanto, é fundamental implementar intervenções sociais e melhorias na infraestrutura de saúde, abordando as desigualdades que favorecem a propagação da doença. Lutar contra doenças tropicais deve ser uma prioridade global, pois isso nos permitirá garantir um futuro mais saudável para todos.
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Por Ana Clara Filimbert e Jaciely Vieira Santana
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