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Por que algumas pessoas atraem mais mosquitos que outras?



Com a chegada do verão, acompanhado das altas temperaturas e dos dias ensolarados, os mosquitos estão cada vez mais presentes em nossas residências. Nesses tempos, o repelente, que já era um acessório essencial, torna-se item obrigatório para se levar a todos os lugares! No entanto, a convivência já tão longa com o mosquito mostra uma preferência por certos tipos de pessoas na hora da picada. Todo mundo conhece alguém que parece ser o alimento preferido das fêmeas do mosquito ou uma que o inseto nem parece notar.

Diversos motivos do porquê isso acontece já circulam pela internet e pela comunidade científica. Algumas explicações que nós mesmos já exploramos no nosso perfil do instagram são a preferência do mosquito por um tipo sanguíneo específico, ou que a ingestão de bebidas alcoólicas, como a cerveja, poderia aumentar a atração do mosquito pelo indivíduo. Agora, um novo estudo aponta para a possibilidade de que essa preferência do mosquito por um indivíduo em relação a outro pode estar ligada ao odor natural exalado pela pessoa.

O odor natural de cada pessoa é uma mistura de diversos compostos orgânicos que, de acordo com o estudo, ainda não foram listados em sua totalidade pela comunidade científica. Certas misturas de compostos já são conhecidas por serem mais atrativas para os mosquitos, como é o caso da mistura do ácido lático, encontrado no suor, a amônia, e ácidos carboxílicos.

As fêmeas do Aedes aegypti usam o olfato para distinguir entre humanos e outros animais. Duas grandes famílias de genes são responsáveis por codificar duas classes de proteínas canais que encontram-se na membrana de células nervosas olfativas que ficam nas antenas dos mosquitos. Essas proteínas atuam como receptoras de moléculas de odores: o OR (olfactory receptor ou receptor olfativo) e o IR (Ionotropic receptor ou receptor ionotrópico).

Essas estruturas proteicas apresentam grande importância no sentido do olfato. Ambas auxiliam na sinalização olfativa do mosquito, e juntas contribuem para a percepção de inúmeros compostos, uma vez que cada tipo irá se ligar a compostos distintos. Receptores OR respondem a álcoois, aldeídos e cetonas, enquanto os receptores IR irão responder a outros tipos de moléculas, como o ácido carboxílico e aminas. Portanto, espera-se que danos nos genes que guardam a informação para a produção dessas proteínas afetem tanto na identificação quanto na preferência dos mosquitos por seres humanos.

Assim, em seu estudo, Maria Elena De Obaldia e colaboradores testaram as diferenças na atratividade do Aedes aegypti por voluntários, determinando aqueles que eram mais e menos atrativos para o mosquito. Em um segundo experimento, avaliaram qual das duas classes de proteínas apresentam um maior papel na preferência do mosquito pelos humanos. Para isso, utilizaram as mesmas amostras dos participantes do experimento anterior para testar a atratividade quando as antenas dos mosquitos apresentavam danos nos receptores OR e IR.

Por último, analisaram os compostos encontrados na pele dos participantes através de análises químicas, para analisar qual composto determina a alta atratividade entre seres humanos. A seguir explicaremos melhor como cada uma dessas fases da pesquisa aconteceu.

Para o primeiro experimento, os pesquisadores utilizaram o odor natural de oito pessoas. Para não expor os voluntários a picadas de mosquito e ser possível realizar o experimento inúmeras vezes, foram coletadas amostras de odor utilizando meias de nylon. Eles eram instruídos a usar as meias no antebraço durante 6h, enquanto realizavam suas atividades diárias, desde que essas não envolvessem exercícios ou a ingestão de álcool.

Para avaliar a atratividade, os pesquisadores selecionavam as amostras de dois voluntários por vez, e as inseriram em um sistema fechado chamado olfatômetro. As meias usadas pelos participantes eram postas em caixas separadas. Depois, as fêmeas de Aedes aegypti eram liberadas no outro extremo e voavam para uma caixa maior, denominada caixa voadora, podendo decidir entre dois tubos que levavam a amostras de diferentes indivíduos. Então era contabilizada a quantidade de mosquitos atraídos em cada tubo.


FIGURA 1 - Esquema representando as caixas utilizadas para os testes de atratividade da fêmea do mosquito, esse tipo de sistema é chamado de olfatômetro. (Baseado no esquema de De Obaldia et al., 2022)



As caixas apresentavam temperatura e níveis de CO2 constantes. Isso porque esses insetos também utilizam essas duas condições para encontrar presas. Portanto, regulá-las evita que essas variáveis interfiram nos resultados do experimento. Após meses de coletas de amostras de odor e testes de atratividade com os mesmos oito indivíduos, notou-se diferenças na atratividade dos participantes, de modo que foi possível ordenar os participantes do mais atrativo para menos atrativo.

Já reconhecidas as diferenças entre os voluntários, os pesquisadores utilizaram o olfatômetro e algumas das amostras do experimento anterior para testar se a atratividade por esses indivíduos variava quando havia danos nos genes das proteínas receptoras OR e IR, fazendo com que elas estivessem ausentes nas células dos mosquitos. Dessa forma, eles conseguiriam avaliar qual desses receptores era mais importante para a seleção do odor por parte do mosquito fêmea de A. aegypti.

Eles perceberam que mutações nos receptores da família IR produziam um maior impacto no reconhecimento da atratividade do que mutações nos receptores da família OR, uma vez que com danos no IR os mosquitos apresentaram menor atratividade a odores humanos e maiores dificuldades em reconhecer indivíduos mais atrativos quando comparados com mosquitos normais com o receptor completo. Já no teste com mosquitos mutantes com danos no OR, os mosquitos ainda conseguiam distinguir entre as amostras de voluntários mais e menos atrativos.

Com base nos experimentos anteriores, sabemos que os odores emitido por distintos seres humanos apresentam diferenças individuais que os tornam mais ou menos atrativos aos mosquitos. Também observaram que os receptores IR tinham um papel mais importante para a identificação de odores. Assim, para entender quais os componentes emitidos pela pele tornam a pessoa mais atrativa para o mosquito, os pesquisadores analisaram os componentes ácidos da pele, que são reconhecidos pelos receptores IR. Essa análise foi feita basicamente em duas etapas:

  1. A partir das meias de nylon usadas pelos participantes, foram extraídas amostras dos componentes da pele, ou seja, o odor dos voluntários. Para extração utilizou-se uma substância solvente (capaz de dissolver esses compostos);

  2. As soluções resultantes foram analisadas utilizando uma técnica analítica chamada espectrometria de massa. Essa técnica é capaz de detectar e identificar as substâncias químicas presentes em uma amostra. Dessa forma, os componentes ácidos previamente citados puderam ser caracterizados.

A partir dos resultados notou-se que os componentes ácidos mais abundantes em indivíduos muito atrativos para o mosquito eram os ácidos carboxílicos. Em outras palavras: menos ácido carboxílico, menos atração. O experimento foi, então, aplicado a um número maior de participantes, com a finalidade de validá-lo. Os resultados validaram a análise anterior, ou seja, corroboraram que a atração dos mosquitos parece estar ligada aos níveis de ácido carboxílico emitidos pela pele do indivíduo.

Estudos como esse são importantes para o combate de mosquitos transmissores de arboviroses. A descoberta de padrões e possíveis compostos na pele que podem ser mais atrativos para a fêmea do mosquito podem ter um importante papel na produção de repelentes mais específicos e efetivos contra o mosquito Aedes aegypti, auxiliando assim na prevenção da dengue e outras doenças transmitidas por ele.


 

Por Bruna Monteiro e Ana Alice Eleuterio


Referências

DE OBALDIA, Maria Elena et al. Differential mosquito attraction to humans is associated with skin-derived carboxylic acid levels. BioRxiv, 2022.

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