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Uma breve história da chikungunya no Paraguai

Atualizado: 1 de fev.

Como retratamos nos nossos últimos posts, a chikungunya é uma doença severa que está atualmente em surto no Brasil e no Paraguai. Porém, a doença não é nenhuma novidade. Muitas hipóteses estão sendo criadas para justificar o atual surto, mas hoje nosso texto te convida ao passado para entender dois pontos: a história epidemiológica da doença e a origem da diversidade genética do vírus causador.


O que é diversidade genética?

Adentrando na história, é bom relembrar um ponto: o mosquito Aedes aegypti é o responsável pela transmissão do vírus da dengue, chikungunya e também da zika. Esse mosquito é muito bem adaptado ao ambiente urbano. Com a contínua expansão da ocupação humana em áreas de floresta, ou outro tipo de vegetação nativa,

e os efeitos das mudanças climáticas, os mosquitos, muitas vezes infectados com vírus, ficam cada vez mais presentes. Para se ter uma ideia, o vírus da chikungunya (CHIKV) e zika (ZIKV) já emergiram em quase todos os países da América Latina desde meados dos anos 2000, sendo que o vírus da dengue (DENV) representa um problema de saúde pública nessa região há muito mais tempo.


O Paraguai é um país latino-americano cercado pela Bolívia, Brasil e Argentina e que possui todos os quatro sorotipos da dengue registrados. Análises filogenéticas² mostram que a diversidade genética do vírus da dengue no Paraguai está estreitamente relacionada com a diversidade genética do vírus nos países vizinhos, em especial o Brasil. Dados sobre a diversidade genética do vírus da chikungunya, porém, são pouco conhecidos. Bom, agora é hora de pegar um chá, deixar a mente relaxada e se preparar para entender como os pesquisadores contribuíram para que possamos entender mais sobre a diversidade genética do CHIKV.


Análise filogenética?


Para iniciar o estudo, amostras anônimas de pessoas que tinham arboviroses foram obtidas pelo Laboratorio Central de Salud Publica de Asunción. Esse laboratório recebe amostras de todo o país, sendo que as amostras eram representativas de quatro departamentos (o equivalente a estados no Brasil): Central, Assunção, Paraguarí e Amambay, locais onde ocorreram a maior parte dos casos de dengue e chikungunya entre 2014 e 2018. O material genético foi extraído das amostras selecionadas e submetido ao RT-qPCR, uma técnica molecular capaz de detectar a presença do vírus da chikungunya em amostras biológicas. Os resultados obtidos foram comparados com as informações já conhecidas para investigar a origem e como ocorreu a distribuição territorial do vírus da chikungunya no Paraguai. Um resumo pode ser observado na imagem 1.


Imagem 1 - Resumo do procedimento

Fonte: Elaborado pelo autor



A primeira epidemia de chikungunya no Paraguai: 2014 e 2015


Das amostras testadas e que deram positivas para a presença do vírus da chikungunya, uma parte significativa delas estava em estado bom suficiente para ter seu genoma³ sequenciado. Com seu genoma sequenciado, foi possível dividir o vírus em dois genótipos: Asiático e ECSA. A partir disso, foi possível traçar sua origem e hipotetizar uma linha temporal para entender como o vírus da chikungunya foi importado e se espalhou pelo Paraguai.



Genoma?



Os primeiros surtos do genótipo asiático do CHIKV nas Américas foram relatados nas ilhas de São Martinho e Martinica em dezembro de 2013. O vírus se espalhou rapidamente no Caribe e na América Central em 2014, com transmissões locais relatadas em quase todos os territórios dessas regiões. A análise genética realizada estimou que a origem geográfica da variante circulante no Paraguai em 2015 veio de Porto Rico, um território que fica no Caribe. Isso permitiu traçar uma origem epidemiológica dos casos, levando a crer que provavelmente o primeiro caso veio de uma família que se infectou em Porto Rico e, ao retornar ao Paraguai ainda com a doença, deu origem à infecção autóctone (dentro do próprio local, ou seja, dentro do Paraguai) começassem. É importante lembrar que a transmissão do vírus se dá pela picada do Aedes aegypti quando o mesmo já picou uma pessoa infectada. A partir do primeiro caso autóctone em fevereiro de 2015, um crescente número de infecções foi reportado, com aproximadamente 10 mil casos que afetaram principalmente os Departamentos Central, Assunção e Paraguarí.


A segunda epidemia: 2016 e 2017


Em 2016, a distribuição de casos no Paraguai foi muito semelhante à de 2015. Dessa vez, porém, uma nova linhagem se estabeleceu no país. Os dados demonstram que provavelmente a nova linhagem foi introduzida no departamento de Paraguarí em algum momento entre junho de 2015 e janeiro de 2016, com origem na América Central. Felizmente, o ano de 2017 foi marcado por pouquíssimos casos de chikungunya no Paraguai. Enquanto isso ocorria, o Brasil foi fortemente afetado por uma epidemia com vários milhares de casos. Ok, mas o que o Brasil tem com essa história? Voltando um pouco no passado, duas distintas linhagens foram detectadas no Brasil no final de 2014: o genótipo ECSA, na região nordeste, e o genótipo asiático, na região norte. O genótipo asiático se manteve a poucos casos isolados, mas o ECSA se espalhou pelo Brasil. Como você já deve estar imaginando, o Aedes aegypti não precisa de passaporte para transitar entre os países.


A epidemia de 2018


O departamento de Amambay, que faz fronteira com o Brasil, foi fortemente afetado pelo genótipo ECSA ao fim de 2017. Esse genótipo, como dito anteriormente, era o responsável pela epidemia no Brasil, sugerindo que a transmissão veio de lá. Ademais, os dados genéticos obtidos indicam que provavelmente a transmissão veio das regiões nordeste ou norte do país, pois o vírus circulando em Amambay era especialmente semelhante aos vírus que circulavam essas regiões. A conclusão de que o vírus veio do Brasil, porém, não deve ser levada como verdade absoluta, já que outros fatores podem ter feito Amambay ter sido especialmente afetado na época. Como exemplo, há a possibilidade da exposição prévia ao genótipo asiático ter criado uma resistência ao vírus da chikungunya de forma geral, impedindo que o genótipo ECSA se espalhasse. Como Amambay foi o único dos quatro departamentos analisados que não teve uma grande quantidade de casos em 2015 e 2016, é possível que a população não tenha adquirido resistência e portanto tenha ficado mais suscetível ao vírus em 2018. De qualquer forma, o estudo foi capaz de revelar um complexo padrão de circulação do vírus no Paraguai e provar que as técnicas e ferramentas moleculares são poderosos aliados na luta contra as arboviroses.




Tem interesse em saber mais sobre como essa análise funcionou? Não esqueça de conferir o texto original do artigo clicando aqui.



 

Por Samuel dos Santos

Referência


Gräf T, Vazquez C, Giovanetti M, de Bruycker-Nogueira F, Fonseca V, Claro I, et al. Epidemiologic History and Genetic Diversity Origins of Chikungunya and Dengue Viruses, Paraguay. Emerging Infectious Diseases. 2021. Disponível em: https://doi.org/10.3201/eid2705.204244



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